Salve, Salve !

Tem algumas coisas que são inevitáveis na vida de um profissional de comunicação e marketing: briefing, deadline, criatividade, dinamismo, noite, macarrão instantâneo e computador. Site, Orkut... e o Blog. Sim, o Blog! Há muito tempo que meus amigos e clientes me cobram esta "coisa" de postar o que eu acho do mundo. Pois é, resolvi fazer, agora aguentem! Seja bem-vindo: dê uma bica no ócio e participe dando seus pitacos. Super abraço!


quarta-feira, 15 de abril de 2009

Crônica: ESTE CORPO NÃO TE PERTENCE !

por: Marcelo Rebello
 
Ele era um verdadeiro sarrista. Quase nunca se via o irmão Waldemar de mau humor. Sempre às voltas com suas histórias mirabolantes dos tempos em que morava em Xuque-Xuque, no Estado da Bahia, onde havia sido criado até os dezesseis anos, quando veio para São Paulo "ser doutor".
Após passar por muitas dificuldades, Waldeco, como era conhecido entre os membros da Igreja do Pentecoste Exaltado, do Bairro do Limão, conseguiu emprego em uma corretora de seguros, onde já trabalha há mais de vinte e cinco anos.
Waldeco era uma homem de fé, e fazia questão de participar de todos os eventos sociais de sua igreja. Os irmãos, por sua vez, sempre o convidavam, pois com seu sotaque nordestino (que não perdera apesar dos vários anos na terra da garoa) era presença obrigatória nas rodinhas de fim-de-festa, onde chacoteava com os rapazes e moçoilas, mexendo suas melenas castanhas entre um causo e outro.
Este fim-de-semana, lá foi Waldeco para mais uma vigília... Havia trabalhado até as dez da noite na corretora, que ficava na Avenida Paulista. Passou pela lanchonete do Josias, onde entre um refrigerante e outro devorou um misto-quente e uma coxinha endurecida pela estufa. Após o tradicional cafézinho, pegou o carro e foi-se pela Marginal até a Ponte do Limão, onde havia marcado um local para pegar alguns irmãos e ir até o Morro do Sabão, onde seria feita a vigília.
Era uma visão interessante aqueles muitos feixes de lanterninhas elétricas a subir o morro, uns atrás dos outros. Vez por outra, ouvia-se o grito de "Vamos, vamos" do Pastor José Elias, um negro forte e alto que sempre levava um lampião no lugar da lanterna, pois "Nunca se deve confiar em pilhas", dizia ele com sua voz firme e grossa.
Após achar uma clareira, os irmãos acomodaram-se e puseram-se de joelhos para o momento das orações. Entre gritos, grunhidos e frases empoladas, vez por outra ouvia-se o barulho do estilhaçar de galhos secos e uns pontinhos de lanternas que iam para algum canto do morro "aliviar o ventre", longe dos olhares furtivos dos outros companheiros de noitada santa.
Depois de umas duas horas de joelho, entre orações e cochilos (na verdade mais cochilos que petições), Waldeco sente que é hora de sua "escapadinha". Apanha sua lanterninha que comprou em uma de suas recentes viagens ao Paraguai, e se separa do grupo, indo de soslaio para um cantinho estratégico do morro.
A lanterna no entanto falha (o Pastor José Elias iria dizer depois "Eu te disse, eu te disse que não se pode confiar em pilhas... se tivesse trazido um lampião...") e é aqui que começa o desespero do pobre Waldeco. Na escuridão de seu refúgio, entre um capinzal e uma moita, ele sente que algo não está bem. "Terá sido o misto quente ou a coxinha endurecida?" pensa Waldeco, "o Josias vai se ver comigo, ah, vai!".
E o tempo passando, e nada da dor-de-barriga ir embora... Agachado ali, sem eira nem beira, escutando ao fundo as orações dos irmãos, Waldeco foi sentindo o peso do cansaço, as pálpebras descendo, não tomando conhecimento do esforço sobre-humano que ele estava fazendo para conseguir ficar acordado (no desespero de vir logo para detrás da moita, ele esquecera-se de trazer a bolsa com o papel higiênico...).
Waldeco não aguentou. Suas forças se esvairam e ele dormiu. Dormiu e sonhou... E roncou.
A esta altura do campeonato, já era quase cinco da manhã, e o sol já estava começando a nascer. "Vai ser um dia lindo", comentou a irmã Filó, simpática regente do círculo de oração, "não é mesmo Waldeco?". Filó estranha o silêncio e olha para o lado. Qual a sua surpresa ao ver que no lugar onde deveria estar o irmão Waldeco estava somente sua blusa, sua carteira, sua bolsa, seu lenço e seus sapatos.
"Pastor José, Pastor José - gritava Filomena aos prantos - o Waldeco foi arrebatado! O Waldeco foi arrebatado!". Todos se entreolharam surpresos e começaram a orar e a glorificar, num misto de surpresa e inveja.
"Logo o Waldeco... bem que poderia ser eu" - logo pensou o Reginaldo, tecladista da Banda Misericórdia, se mordendo de inveja.
"Ah, no mínimo foi o demônio que o arrastou para baixo, e os tolos acham que foi arrebatado..." - pensou, incrédulo, o Teixeira.
"Já que o Waldeco se foi, vou ficar com a carteira e o talão de cheques" - falou Pedro, arrependendo-se em seguida diante dos olhares indignados da irmandade "Brincadeirinha...." arguiu, devolvendo os pertences do arrebatado.
Foi então que se ouviu um grito vindo de algum canto do Morro do Sabão: "Sai, sai, sai daqui miserável... Que droga, eu vou matar o Josias!".
Todos se entreolharam assustados: era a inconfundível voz do Waldeco, com sotaque e tudo. "Óxente, desgruda daí. Sai, sai! Ah, meu Deus, o que eu fiz prá merecer isto? Eu vou matar vocêêêêêêssssssss..."
Ao ouvir esta sentença, e ao ver as coisas do Waldeco que ainda estavam no chão, os irmãos não pensaram duas vezes: começaram a correr, uns para um lado, outros para outro lado, em uma bagunça generalizada.
A irmã Filomena seguiu justamente para o lado em que o Waldeco tinha ido satisfazer suas necessidades fisiológicas durante a madrugada, e adormecido com as calças nos pés. Ao acordar, ele percebeu que havia sentado em um formigueiro, e que as saúvas estavam grudadas em todo o seu corpo. Ao deparar-se com aquela cena tosca, do Waldeco correndo em volta de si mesmo, praguejando e batendo no próprio corpo, Filó não hesitou: pegou sua Bíblia e com toda a autoridade que lhe era peculiar, disse em alto e bom som: "Saiam deste corpo, pragas do Egito, que ele não vos pertence! Voltem para o abismo e deixem esta pobre alma descansar em paz!".

2 comentários:

  1. Que delicxia de leitura! Leve, simples e cômica. Mas, quanta maldade com o pobre irmãozinho rs. Espero que a saga do irmão Waldeco continue rs, qum sabe ele encontre um final mais feliz na próxima . Parabéns, Marcelo, você descreveu a grande confusão entre sermos cristãos simples e simplistas. Bj

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  2. Depois, eu que sou o escritor, né??? Saúva no bumbum é demais, rsrsrrssr Vou compartilhar, ótimo conto!!! Estou lendo os 1100 melhores contos da literatura brasileira, e tem muitos que estão lá, que não chegam aos pés deste, viu? Rico em detalhes, amei!!! Super abraço do amigo Eduardo Roz...

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